Palavras
deveriam ser só palavras. Mas não. Elas carregam emoções,
estigmas, preconceitos. Palavras ganham vida e diferentes sentidos
conforme o contexto em que são utilizadas e a entonação com que
são proferidas.
Sempre
considerei a busca pelo termo “políticamente correto” uma forma
invertida de preconceito. Buscar um eufemismo para suavizar uma
condição me pareceu sempre uma forma implícita de assumir que a
condição precisava ser suavizada. E, se uma condição precisava
ter sua definição de alguma forma suavizada é porque havia algo de
“pesado” intrínseco a ela.
Entretanto,
eu pertenço a um grupo específico de pessoas que possui uma
característica genética específica para o qual a discussão do
termo adequado para definição de nossa condição é bastante
recorrente.
Meu
organismo tem a sintetização da melanina, substância que dá cor
ao cabelo, aos pelos, à pele, à íris e à retina, comprometida
devido a um defeito em um gene. Desta forma, meu organismo produz
quantidade de melanina bem inferior ao que deveria produzir, de modo
que meus cabelos, pêlos, pele, íris e retina são bem mais claros
do que o normal. Esta condição é denominada albinismo.
Mas
é sempre difícil explicar o albinismo. Quando fui escrever a
respeito dele neste blog, me deparei com a dúvida de que termo usar
para completar a frase “albinismo é”... É o que? É uma
condição genética? É um distúrbio? É um problema?
Muitos
se referem a ele como uma doença. Mas este termo me soa pesado e,
mais que isso, inadequado mesmo. Doença remete, pelo menos na minha
visão, à ideia de dor e sofrimento e à necessidade do uso de
medicação, coisa que não é o nosso caso.
Para
o albinismo não existe remédio nem preventivo e nem paleativo. O
albinismo não causa dor ou sofrimentio físico.
O
que ele causa é uma maior sensibiklidade à exposição aos raios
solares, aumentando drasticamente o risco de desenvolvimento de
queimaduras e tumores de pele. Neste sentido, o albinismo não é uma
doença em si, e sim uma herança genética que acaba aumentando a
predisposição da pessoa ao desenvolvimento de uma doença chamada
cãncer de pele. Então, creio eu, o mais adequado seria dizer que o
albinismo é um problema metabólico (problema na sintetização pelo
organismo de uma proteína denominada melanina) que decorre de um
defeito genético.
Esta
produção reduzida de melanina afeta também, como já mencionei, a
adequada pigmentação da íris e da retina dos indivíduos com
albinismo, fazendo com que a maioria deles tenham sérios problemas
de visão, que em geral resultam em uma baixa visão, também chamada
da visão subnormal, já que a acuidade visual fica bastante inferior
à das pessoas em geral.
Assim
sendo, quem apresenta albinismo costuma apresentar algum grau de
deficiência visual. E aqui novamente nos deparamos com a dificuldade
para estabelecer um termo a ser usado que defina esta condição que
seja claro sem reforçar qualquer preconceito ou induzir a qualquer
ofensa...
Pelo
que andei lendo, até o começo do século 20, pessoas que
apresentassem qualquer característica em alguma medida limitante
eram denominadas inválidas, o que é terrível, já que esta palavra
imediatamente traz consigo a ideia de que aquela pessoa não é de
nenhuma maneira produtiva e útil para a sociedade.
Depois
mudou-se o termo para “indivíduos com capacidade residual”, o
que já significou uma melhora, já que pelo menos admitia-se que
alguma capacidade existia.
Entre
as décadas de 60 e 80 começou-se a utilizar os termos “deficientes”
e “excepcionais”, o que representou outra melhora, mas continuou
acenruando a ideia da diferença, fazendo a visão da limitação
prevalecer sobre a visão da pessoa.
Daí,
ao longo da década de 80, por conta dos movimentos na sociedade
civil, a Organização Mundial da Saúde lançou a terminologia
“pessoas deficientes”.
Podem
parecer simples palavras, mas a verdade é que a atribuição do
valor “pessoas” áqueles que tinham deficiências, muda a visão
sobre o indivíduo; tira-se o foco da sua limitação e o volta para
o fato de ser também um ser humano como os demais, igualando-o em
direitos aos demais membros da sociedade em vez de o segregar
Embora
o termo “correto”, segundo a ONU, para se referir a esse grupo
específico de pessoas seja “pessoas com deficiência”, ainda
vemos por aí muitas outras terminologias sendo utilizadas.
Quem
nunca ouviu um “pessoas portadora de necessidades especiais”?
Muitos concurseiros certamente que sim, já que em todos editais de
concurso se fala a respeito das “vagas para os PNEs”... De onde
surgiu isso? De outro documento da ONU, chamado “Declaração de
Salamanca”, de 1994, que tratava de stabelecer princípios,
políticas e prática para o ensino para “pessoas com necessidades
educativas especiais”. Mas seu uso está completamente equivocado,
uma vez que aquele documento, ao utilizar o dito termo, o fazia de
modo bem mais abrangente, referindo-se tanto a crianças com
deficiências físicas e mentais quanto a sobredotados
intelectualmente.
Outro
termo comumente utilizado e que no Brasil encontra inclusive amparo
legal é o de “pessoa portadora de deficiência”. Embora ele
ainda seja amplamente utilizado na legislação brasileira, está
caindo em desuso, tanto que a CORDE (Coordenadoria Nacional
para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), ligada ao
Governo Federal, recentemente mudou de nome para Subsecretaria
Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência.
Mas por que aquele termo seria inadequado? Porque uma pessoa não
“porta” uma deficiência, assim como não porta qualquer outra
característica sua. A deficiência faz parte dela.
Assim
sendo, o termo correto para nos definirmos é o “pessoa com
deficiência”. E não simplesmente por uma questão de eufemismo,
de ser “politicamente correto”, e sim porque parece ser,
considerando todos os demais, o mais “auto explicativo” acerca da
situação, sem no entanto reforçar a segregação. Somos pessoas
como todas as outras, no entanto com uma determinada limitação (no
nosso caso visual).
E
que o “status” de “pessoa com deficiência” não assuste. A
consciência de que se é uma pessoa com deficiência permite o
reconhecimento das limitações, o qual faz com que a pessoa busque
os meios externos (equipamentos ópticos, por exemplo) para suprir
sua capacidade visual deficiente e executar de forma autônoma
praticamente a maior parte das tarefas que as pessoas sem graves
problemas visuais executam, e a aceitação de algumas
impossibilidades (como pode ser dirigir, por exemplo, conforme o grau do problema visual).